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quinta-feira, março 12

O Eco Silencioso

Há algum tempo dei comigo a pensar que no caminho
da vida a circunstância – a “minha circunstância” de que
falava o filósofo espanhol – nos traz ao convívio três
tipos de pessoas. O mais abundante é o daqueles que
passam por nós sem deixar rastro, encontros demasiado
fugazes ou superficiais. O segundo, cujo número, mesmo
que escasso, é sempre excessivo, inclui aqueles que nos
diminuem, ou porque nos roubam o que demais precioso
temos, o tempo (e devo confessar que quando me pedem
licença para mo roubarem eu digo sempre que não deixo,
porque o meu tempo ou o ofereço ou, em situação própria,
o vendo), ou porque levam parte de nós, deixando na
alma ferida que não sara, ou então porque nos filam com
os dentes e nos forçam a descer a uma altitude moral
que nos diminui o carácter e envergonha a consistência.
Há, finalmente, os que serão sempre em número
insuficiente, aqueles que nos acrescentam. Fazem-no
muitas vezes de forma tão subtil que parecem insinuar-se
no outro genoma, que a biologia ainda não desvendou.
Outras vezes deixam a marca incisa de um conselho ou
de um exemplo. Não raramente fazem-no pela mais
depurada forma de ensinar, que é, como alguém disse de
Sócrates, pelo simples facto de existirem.

In, O Eco Silencioso, João Lobo Antunes

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