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terça-feira, janeiro 16

A sétima arte e seus momentos passados



Cinema é uma delícia. Apaixonante. Eu sou apaixonada!
Sei que muitos e muitos o são também. E suponho que
muitos também curtam ler e conhecer fatos sobre seus
primórdios e por conta disto, quero compartilhar aqui um
texto que é o prefácio do livro The Story of Cinema, de
David Chapman. Até porque este texto é mais do que só
informação, na verdade mostra um encantamento ...
Logo abaixo, sua tradução poderá ser lida.

There we go:

It was Christmas and I was 9 years old. A wealthy old lady
who was a friend of the family used to give us children
rather expensive presents. Two days before Christmas Eve
her servant arrived with the gifts, which together with the
other packets were placed in a large laundry basket under
the stairs up to the attic. I saw at once that one of the
packets (big and angular, wrapped in strong brown paper)
contained a film projector. I nearly fainted with joy. For
several years I had wished for a projector; now the dream
was to come true. I went about in a trance, unable either to
sleep or eat.

The great moment turned out to be a terrible disappointment.
The film projector went to my brother, who was 4 years older
than me; I was given a bear that could growl. My grief was
agonizing. My brother, who had never shown the slightest
interest in cinematic art and was moreover a clever
businessman, seized the opportunity. He sold me the
apparatus at a price of two hundred tin soldiers, that is to
say, my entire army. Two days later he declared war and
invaded my country, defeating the few gallantly fighting
troops that were left, despite our agreement that no war was
to break out until I had a chance of building up a new armed
force. I fled into the nursery's dark and spacious closet with
my "cinematograph", as the toy was called. Although simple it
was a fine little machine, but more dangerous than a bomb.
It consisted of two spools for sixty metres of 35-mm film, a
steady feeding mechanism (Maltese cross and crank), a sector
and a fairly large lens in shining brass. The lamp-house was of
black lacquered tinplate with a reflex mirror, paraffin lamp and
a backward curved chimney. In addition there was a holder for
slides. A blue box (with a pretty picture on the lid of a young
man in a sailor suit showing moving pictures of fighting lions
to an impressed family) contained a film loop about 4 metres
long, an everlasting film. The loop was brown and had a
pungent, rather sweet smell; like all film at that time it was
made on a nitrate base and was frightfully inflammable. Nitrate
film, paraffin lamp, dusty closet, a nine-year-old projectionist -
no grown-up knew just how dangerous the whole thing was.
During the next few years I spent all my pocket-money and
savings on film. I must have kept thousands of metres of film
in the closet, where I established my cinema in the flickering
light of the paraffin lamp. The fact that the family and the old
rectory survived must be put down to the constant vigilance of
guardian angels.

Sometimes I have wondered at the child's wild and inexplicable
excitement. It was all a mechanical process. A little machine
which rattled loudly as it fed in sixteen frames a second. If I
cranked frame by frame nothing, or almost nothing, happened -
the frames hardly changed. If I went faster, movement was
born. The shadows acted, the faces turned towards me, eyes
opened, lips formed inaudible words. The darkness, the rattling,
the smells, the lighted rectangle on the wall ... I made up
stories about the small, mysterious figures, they sent out magic
signals, they took part in my dreams. I remember these pictures
with a clarity and focus which they no doubt lacked in reality.
The rectangle of light in the dark, the shadows' unceasing
movements controlled by me. Unaccountable courses of events,
secret relations that extended far into the boundless twilight
land of dreams. Hypnosis and magic - the nine-year-old touched
the little finger of a giant's invisible hand. Today, fifty-five years
later, in the murk of the cutting room I can feel the same
excitement, the same tension, in the presence of the endless
and the unexplored.

By Ingmar Bergman in 25 July 1981


Era o Natal e eu tinha 9 anos. Uma amiga rica de minha família
sempre dava uns presentes caros para nós, as crianças. Dois dias
antes da véspera seu motorista chegou com os pacotes que foram
colocados junto com os outros num grande cesto de roupa em
baixo da escada do sotão. Eu pude logo ver que um dos pacotes
(grande e anguloso, embrulhado com grosso papel marrom) era
de um projetor de filmes. Quase desmaiei de alegria. Eu desejava
ter um projetor havia muitos anos, agora o sonho ia se realizar.
Entrei em transe, não conseguia dormir nem comer.

Mas o grande momento virou foi numa grande decepção. O
projetor era para meu irmão que era 4 anos mais velho, eu
ganhei um ursinho de pelúcia que sabia rosnar. Fiquei
terrivelmente triste. O meu irmão, que jamais demostrara
o menor interesse pelo cinema e era antes de tudo bom de
negócios, agarrou a oportunidade. Ele me vendeu o aparato
pelo preço de 200 soldadinhos de chumbo, praticamente meu
exército inteiro. Dois dias depois ele declarou guerra e invadiu
meu território derrotando as poucas e valentes tropas que ainda
restavam, isto tudo apesar de nosso acordo de que não haveria
guerra até que eu pudesse ter uma chance de recompor minhas
forças armadas. Eu fugi pro armário escuro e espaçoso que tinha
no quarto de brincar com o "cinematógrafo", que era assim que
meu brinquedo era chamado. Apesar de simples era uma boa
maquininha, porém mais perigosa que uma bomba. Consistia
em dois rolos para 60 metros de filme de 35 mm, um
mecanismo de alimentação (cruz de Malta e manivela), um setor
de círculo e uma grande lente de latão polido. A caixa de lâmpada
era de estanho laqueado em preto com um espelho refletor, uma
lâmpada de querosene e uma chaminé virada para trás. Havia
também um porta-slides. Era uma caixa azul (na tampa tinha uma
gravura bonita de um jovem marinheiro projetando para uma
família muito impressionada, cenas de leões lutando) que continha
um rolo de filme de 4 metros, isto é, enorme. O rolo era marrom e
tinha um cheiro forte, meio adocicado; e como todo filme daquela
época era feito com nitrato, portanto, assustadoramente
inflamável. Filme de nitrato, lâmpada de querosene, caixa de pó,
um projecionista de 9 anos - nenhum adulto tinha noção do quão
perigoso era tudo aquilo realmente. Durante os anos que se
seguiram gastei minhas mesadas e economias em filmes. Devo
ter guardado milhares de metros de filme no armário onde instalei
meu cinema que tremeluzia à luz do querosene. O fato de minha
família e nossa velha casa terem sobrevivido é obra e graça da
constante vigilância dos anjos da guarda.

Às vezes eu fico pensando naquela excitação inexplicável da
infância. Era apenas um processo mecânico. Uma maquininha que
fazia muito barulho enquanto projetava 16 quadros por segundo.
Se eu mexesse a manivela quadro a quadro não acontecia nada,
ou quase nada - os quadros mudavam muito pouco. Se eu fosse
mais rápido, nascia o movimento. As sombras entravam em ação,
os rostos viravam para mim, olhos abriam, lábios formavam
palavras inaudíveis. O escuro, o barulho, os cheiros, o retângulo
iluminado na parede ... Eu inventava estórias e mais estórias
sobre aquelas figurinhas misteriosas, elas me enviavam sinais
mágicos e fizeram parte dos meus sonhos. Lembro-me hoje
destes filmes com uma clareza e uma nitidez que, sem a menor
dúvida, não existiram na realidade.
O retângulo de luz no escuro, o incessante movimento das
sombras controlado por mim. Foram acontecimentos incontáveis,
relações secretas que penetraram no crepúsculo do campo
ilimitado dos sonhos. Hipnose e mágica - o menino de 9 anos
tocou no dedinho da mão de um gigante invisível. Hoje, 55 anos
depois, na penúmbra da sala de montagem eu ainda sinto a
mesma excitação, a mesma tensão perante o sem fim e o inexplorado.

Ingmar Bergman em 25 de julho 1981











13 Comments:

  • Com este texto, relembrei muitas imagens que fizeram as delícias dos meus tempos de criança.
    Ingmar Bergman era um realizador difícil por excelência. Eu gostava dos seus filmes, porque eram estranhos, muito difíceis de entender e comentar.
    Mas tinha um cunhado que era o companheiro ideal para este género de filmes.
    Contudo... o que acontece neste testemunho é algo parecido com o que me aconteceu quando morava numa vilazinha escondida entre os olivais alentejanos.
    Naquele tempo, era um cinema ambulante que lá aparecia para projectar os filmes mais apreciados da época. Eu logo fiz amizade com aquele ambulante e esperava ansioso todos os fins de semana em que ele lá aparecia. Ajudava-o na montagem, na propaganda, na arrumação da sala.
    Um dia, fez-me uma surpresa. Ofereceu-me um pequeno visor ocular de lata, com uma ponta rectangular onde se introduzia um fotograma de película. A outra ponta era para espreitar, contra a luz, a imagem do fotograma aumentada com uma pequena lente.
    A surpresa deixou-me radiante. Foi a prenda que me deixou mais feliz em toda a minha vida!
    Ainda guardei essa recordação por muitos anos, mas depois as novas tecnologias fizeram-me esquecer tão valioso presente.
    Hoje, tenho muita pena de não ter sabido guardar aquele pequeno tesouro!...

    By Blogger Amaral, at terça-feira, janeiro 16, 2007 7:41:00 PM  

  • E o que aconteceu em tua vilazinha quando eras menino lembra-me o Cinema Paradiso de Giuseppe Tornatore. Que delícia! E esta prenda, Amaral, posso bem imaginar como deve ter sido fascinante espreitar na outra ponta os diversos fotogramas, era mágico, não era?

    By Blogger Jonice, at terça-feira, janeiro 16, 2007 9:52:00 PM  

  • O brigado pela visita ;)
    volte sempre

    Um beijo

    By Anonymous Anônimo, at quarta-feira, janeiro 17, 2007 8:46:00 AM  

  • What a feeling, when a dream comes true.................DREAM,DREAM,DREAM..........
    Beijinhos

    By Blogger Teresa Calcao, at quarta-feira, janeiro 17, 2007 12:48:00 PM  

  • Mundo Mágico: e tu também, se gostaste!

    Teresa: isn't it? :)

    By Blogger Jonice, at quarta-feira, janeiro 17, 2007 1:33:00 PM  

  • Fico pensando minha amiga, hoje, com tantas coisas caras, pra la de artificiais, como relembramos coisas de infancia que nos deram um prazer simples e puro.
    Nada caro, nada tao impossivel de se ganhar, mas sim a alegria da diversao!
    Hoje, principalmente nos EUA, as criancas tem TANTO, mas TANTO! que eh dificil dar um real valor aquilo que tem. Acredito que nem muitas lembrancas de infancia, devem ter.
    Magnifico texto!
    Beijos
    MARY

    By Blogger Poemas e Cotidiano, at quarta-feira, janeiro 17, 2007 11:30:00 PM  

  • é uma verdadeira pérola este texto....deixou-me bem disposto para o resto da tarde.

    By Blogger Luís Galego, at quinta-feira, janeiro 18, 2007 1:33:00 PM  

  • Mary: por aqui também é assim. Mas as lembranças de infância devem continuar existindo, só que de um outro jeito, talvez.

    Luís: a gente até "escuta" o barulhinho do projetor no armário, não é?

    By Blogger Jonice, at quinta-feira, janeiro 18, 2007 9:54:00 PM  

  • Meu Deus!

    E eu não li esse post quando entrei aqui ante ontem porque fui na ânsia de deixar-te um comentário!

    Meu Deus!

    By Blogger Thiago Forrest Gump, at domingo, janeiro 21, 2007 1:45:00 AM  

  • Jonice, deixa eu copiar?

    By Blogger Thiago Forrest Gump, at domingo, janeiro 21, 2007 1:46:00 AM  

  • Por favor!

    By Blogger Thiago Forrest Gump, at domingo, janeiro 21, 2007 1:46:00 AM  

  • Thiago: claro que podes copiar!

    By Blogger Jonice, at domingo, janeiro 21, 2007 9:45:00 AM  

  • Many thanks for sharing this wonderful text Jonice. It brought back to my mind 45 years old great souvenirs!
    I am keeping preciously my old films, and it does happen to me to project them occasionally.
    Je te souhaite une bonne soirée.

    By Anonymous Anônimo, at terça-feira, abril 22, 2008 3:37:00 PM  

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