English is Cool

sábado, dezembro 22

Vale a pena ler de novo

It was Christmas and I was 9 years old. A wealthy old lady
who was a friend of the family used to give us children
rather expensive presents. Two days before Christmas Eve
her servant arrived with the gifts, which together with the
other packets were placed in a large laundry basket under
the stairs up to the attic. I saw at once that one of the
packets (big and angular, wrapped in strong brown paper)
contained a film projector. I nearly fainted with joy. For
several years I had wished for a projector; now the dream
was to come true. I went about in a trance, unable either to
sleep or eat.The great moment turned out to be a terrible
disappointment. The film projector went to my brother, who
was 4 years older than me; I was given a bear that could
growl. My grief was agonizing. My brother, who had never
shown the slightest interest in cinematic art and was
moreover a clever businessman, seized the opportunity. He
sold me the apparatus at a price of two hundred tin soldiers,
that is to say, my entire army. Two days later he declared
war and invaded my country, defeating the few gallantly
fighting troops that were left, despite our agreement that
no war was to break out until I had a chance of building up
a new armed force. I fled into the nursery's dark and spacious
closet with my "cinematograph", as the toy was called.
Although simple it was a fine little machine, but more
dangerous than a bomb. It consisted of two spools for sixty
metres of 35-mm film, a steady feeding mechanism (Maltese
cross and crank), a sector and a fairly large lens in shining
brass. The lamp-house was of black lacquered tinplate with a
reflex mirror, paraffin lamp and a backward curved chimney. In
addition there was a holder for slides. A blue box (with a pretty
picture on the lid of a young man in a sailor suit showing
moving pictures of fighting lions to an impressed family)
contained a film loop about 4 metres long, an everlasting film.
The loop was brown and had a pungent, rather sweet smell;
like all film at that time it was made on a nitrate base and
was frightfully inflammable. Nitrate film, paraffin lamp, dusty
closet, a nine-year-old projectionist - no grown-up knew just
how dangerous the whole thing was. During the next few
years I spent all my pocket-money and savings on film. I must
have kept thousands of metres of film in the closet, where I
established my cinema in the flickering light of the paraffin
lamp. The fact that the family and the old rectory survived
must be put down to the constant vigilance of guardian angels.
Sometimes I have wondered at the child's wild and
inexplicable excitement. It was all a mechanical process. A
little machine which rattled loudly as it fed in sixteen frames
a second. If I cranked frame by frame nothing, or almost
nothing, happened - the frames hardly changed. If I went faster,
movement was born. The shadows acted, the faces turned
towards me, eyes opened, lips formed inaudible words. The
darkness, the rattling, the smells, the lighted rectangle on the
wall... I made up stories about the small, mysterious figures,
they sent out magic signals, they took part in my dreams. I
remember these pictures with a clarity and focus which they no
doubt lacked in reality. The rectangle of light in the dark, the
shadows' unceasing movements controlled by me.
Unaccountable courses of events, secret relations that
extended far into the boundless twilight land of dreams.
Hypnosis and magic - the nine-year-old touched the little finger
of a giant's invisible hand. Today, fifty-five years later, in the
murk of the cutting room I can feel the same excitement, the
same tension, in the presence of the endless and the unexplored.

By Ingmar Bergman in 25 July 1981


Era o Natal e eu tinha 9 anos. Uma amiga rica de minha família
sempre dava uns presentes caros para nós, as crianças. Dois
dias antes da véspera seu motorista chegou com os pacotes que
foram colocados junto com os outros num grande cesto de roupa
embaixo da escada do sotão. Eu pude logo ver que um dos
pacotes (grande e anguloso, embrulhado com grosso papel
marrom) era de um projetor de filmes. Quase desmaiei de
alegria. Eu desejava ter um projetor havia muitos anos, agora
o sonho ia se realizar. Entrei em transe, não conseguia dormir
nem comer. Mas o grande momento virou foi numa grande
decepção. O projetor era para meu irmão que era 4 anos mais
velho, eu ganhei um ursinho de pelúcia que sabia rosnar. Fiquei
terrivelmente triste. O meu irmão, que jamais demostrara o
menor interesse pelo cinema e era antes de tudo bom de
negócios, agarrou a oportunidade. Ele me vendeu o aparato
pelo preço de 200 soldadinhos de chumbo, praticamente meu
exército inteiro. Dois dias depois ele declarou guerra e invadiu
meu território derrotando as poucas e valentes tropas que ainda
restavam, isto tudo apesar de nosso acordo de que não haveria
guerra até que eu pudesse ter uma chance de recompor minhas
forças armadas. Eu fugi pro armário escuro e espaçoso que tinha
no quarto de brincar com o "cinematógrafo", que era assim que
meu brinquedo era chamado. Apesar de simples era uma boa
maquininha, porém mais perigosa que uma bomba. Consistia
em dois rolos para 60 metros de filme de 35 mm, um mecanismo
de alimentação (cruz de Malta e manivela), um setor de círculo
e uma grande lente de latão polido. A caixa de lâmpada era de
estanho laqueado em preto com um espelho refletor, uma
lâmpada de querosene e uma chaminé virada para trás. Havia
também um porta-slides. Era uma caixa azul (na tampa tinha
uma gravura bonita de um jovem marinheiro projetando cenas
de leões lutando para uma família muito impressionada) que
continha um rolo de filme de 4 metros, isto é, enorme. O rolo
era marrom e tinha um cheiro forte, meio adocicado; e como
todo filme daquela época era feito com nitrato, portanto,
assustadoramente inflamável. Filme de nitrato, lâmpada de
querosene, caixa de pó, um projecionista de 9 anos - nenhum
adulto tinha noção do quão perigoso era tudo aquilo realmente.
Durante os anos que se seguiram gastei minhas mesadas e
economias em filmes. Devo ter guardado milhares de metros
de filme no armário onde instalei meu cinema que tremeluzia
à luz do querosene. O fato de minha família e nossa velha
casa terem sobrevivido é obra e graça da constante vigilância
dos anjos da guarda. Às vezes eu fico pensando naquela
excitação inexplicável da infância. Era apenas um processo
mecânico. Uma maquininha que fazia muito barulho enquanto
projetava 16 quadros por segundo. Se eu mexesse a manivela
quadro a quadro não acontecia nada, ou quase nada - os quadros
mudavam muito pouco. Se eu fosse mais rápido, nascia o
movimento. As sombras entravam em ação, os rostos viravam
para mim, olhos abriam, lábios formavam palavras inaudíveis. O
escuro, o barulho, os cheiros, o retângulo iluminado na parede...
Eu inventava estórias e mais estórias sobre aquelas figurinhas
misteriosas, elas me enviavam sinais mágicos e fizeram parte
dos meus sonhos. Lembro-me hoje destes filmes com uma
clareza e uma nitidez que, sem a menor dúvida, não existiram
na realidade. O retângulo de luz no escuro, o incessante
movimento das sombras controlado por mim. Foram
acontecimentos incontáveis, relações secretas que penetraram
no crepúsculo do campo ilimitado dos sonhos. Hipnose e
magia - o menino de 9 anos tocou no dedinho da mão de um
gigante invisível. Hoje, 55 anos depois, na penúmbra da sala
de montagem eu ainda sinto a mesma excitação, a mesma
tensão perante o sem fim e o inexplorado.

Ingmar Bergman em 25 de julho 1981

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